Sunday, February 12, 2006

Amo-te dez mil anos


Há quem goste de sublinhar os livros, sempre que se depara com algo de muito belo. Eu gosto de sublinhar os filmes.

"- Tem recados para AC/368?
- Senha, por favor.
- «Amo-te dez mil anos.»

Todos temos os nossos desgostos. Sempre que deixava de gostar de alguém, ia correr. Correr ajuda a eliminar água do corpo, para que não reste nenhuma para lágrimas. Como posso eu verter lágrimas?

Achei-lhe graça quando disse que acabaríamos no Dia das Mentiras. E resolvi deixar a graça durar um mês. A partir daí, comecei a comprar todos os dias latas de ananás com validade até 1 de Maio. Isso por a May adorar ananás. Faço também anos dia 1 de Maio.

Juro a mim próprio que ou a May muda de ideias até eu ter comprado trinta latas, ou acaba-se também a validade do nosso amor!

De certa maneira, tudo tem uma data de validade. O peixe tem o seu prazo, o molho de carne também... Até o papel higiénico tem prazo. Haverá alguma coisa que não tenha limite de validade?

Tanto fiz que acabei por encontrar a trigésima lata de ananás. No começo do dia 1 de Maio apercebi-me de uma coisa: que para a May sou igual a uma lata de ananás.

Numa noite acabei com trinta latas de ananás. Todo aquele ananás deu-me cabo do estômago. Entrei num bar. Talvez o álcool ajudasse a minha digestão. Há uma canção intitulada «O Amor termina ao Amanhecer». É exactamente como me sinto. Como vou esquecer a May?

Prometo a mim próprio apaixonar-me pela primeira mulher que aqui entrar. Ela entrou, e nós fomos para o hotel.

Ao nascer do Sol, soube que era tempo de me ir embora. Mas antes, descalcei-a. Dizia a minha mãe que os pés das mulheres incham de dormirem calçadas com sapatos de saltos altos.

Nasci às 6 da manhã. Mais dois minutos e terei 25 anos. Por outras palavras, vivo já há um quarto de século. Para festejar o dia histórico decidi ir correr, para livrar o meu corpo do excesso de líquidos. Aquilo pôs-me muito contente. E ao vir-me embora da pista, deixei lá o meu beeper. Por saber muito bem que ninguém me ia ligar.

Mal virei as costas, tocou. Corri para ligar à operadora.

- A sua amiga do quarto 702 deseja-lhe os parabéns.

No dia 1 de Maio de 1994, uma mulher deu-me os parabéns. Só por causa disso lembrar-me-ei dela toda a vida. Se a memória pode ser metida numa lata, espero que nunca perca a validade. Mas se tiver de ter uma data limite, espero que seja daqui a dez mil anos."

Chungking Express, Wong Kar-Wai

Saturday, February 04, 2006

A Fisiologia da Paixão




Apaixonamo-nos não pelo outro, mas pelas fantasias que criamos acerca dele. Fascinamo-nos por quem vê a vida de forma oposta à nossa.
A dopamina, a adrenalina e a serotonina são as responsáveis pelo enamoramento, a cegueira do amor, cujos sinais se assemelham aos de uma gripe vulgar (insónia, perda de apetite, taquicardia, falta de ar e aumento da temperatura).
A desilusão amorosa produz danos cardíacos. Isto porque os sustos e ataques de raiva diminuem temporariamente o volume de sangue que chega ao músculo que conhecemos por coração. Quando se recebe uma notícia chocante, a corrente sanguínea é inundada com hormonas de stress (adrenalina), responsáveis pela falha cardíaca (com frequência desabafa-se com um 'o meu coração parou' ou 'gelaram-me as veias').
Uma em cada três pessoas desapaixonadas não aceita o 'amor valium' e aventura-se em novos 'sprints'. São personalidades impulsivas que saem da relação por medo de serem deixadas e voltam à estaca zero, ao lado de outra pessoa.
O romance é um jogo emocional inofensivo que nos faz agir e crescer, desde que não procuremos viver a vida em função dele. Porque aí, não há pedido de socorro que nos valha!
A dor do amor pode ser fatal e deve ser levada a peito. Até lhe chamam Síndroma do Coração Partido. Já sei do que padeço :)

Friducha!!


Os anos que esperei por isto!!
Há muito que alimento o sonho de viajar até Coyócan, só para visitar a Casa Azul.
O México, para mim, começou por se chamar Frida Kahlo. Qual Diego Rivera, qual panzón, qual fronteira de gringos, qual cacto no deserto!! Ao lado de Friducha, só cabem as pirâmides e os próprios mexicanos, com a sua intrigante e arrebatadora festa dos mortos, as casas e cantinas da cor da terra, do céu, dos frutos e pássaros exóticos, camponeses velhos, de pele enrugada e sorrisos contagiantes.
Quero perder-me nos mercados, tropeçar em rituais e procissões, enjoar-me de feijão e fajitas, chorar com o picante, andar à boleia, ouvir histórias de americanos e conterrâneos emigrados na terra prometida, comer caveiras de açúcar, descobrir os vestígios de balas no edifício da ópera, estender a pele ao sol até escurecer.
Este é o México de Frida. Este é o México que me aguarda.
Planeei ir à Galiza para poder olhar para um quadro de Frida, uma única vez que fosse em toda a minha vida, mas com grande tristeza tive de desistir dos meus planos à última da hora. Nunca imaginei que, mais tarde, esses mesmos planos acabassem por vir até mim, sem nada fazer por isso. E como se não bastasse, os quadros de Frida escolheram o meu «quintal« para repousar durante uns dias!! Estou nas nuvens. Mal posso esperar pelo dia em que vou ficar frente a frente com a 'Coluna Partida', o meu quadro preferido de Kahlo...