Monday, March 13, 2006

(Ar)Rendo-Me



Estávamos no restaurante. A noite já ia longa e bebida.
Falávamos da vida, conspirávamos sobre homens e mulheres, intuíamos sobre o que contava a nossa morfologia acerca de nós mesmos. Dizia ele que a simples fisionomia, o cabelo, o olhar, diziam tudo sobre uma pessoa. Os meus caracóis revelavam-lhe em mim uma mulher romântica e apaixonada, que não sabia amar a meio-termo, ou em part-time. Atirava ao ar aquilo que lhe vinha a cabeça e lançava-me descrições de mim mesma. Que era aventureira. Que tinha um ar coquete e atrevido, não escondendo um lado muito sensual. Disse-me, mal me conhecendo, que eu precisava de alguém ao meu lado, que me protegesse. Não sei se gostei da sensação de ser despida com um olhar e sobretudo que me ensinassem a pensar na fragilidade que tento a todo o custo esconder. Mas muita coisa certa se disse àquela mesa.
A conversa transbordou para a vida dele e para o vazio que quer prencher. Apontando para o coração disse:
- Estou à procura de inquilino para me habitar.
- Para trespasse? - pergunto-lhe.
- Não, para arrendamento. O meu coração foi totalmente remodelado e está pronto para ser ocupado.
- Qual é a sua área útil?
Hesita.
- É interminável. Não tenho como medir.
- Deves estar a pedir um valor altíssimo por ele!
- Não. Não peço nada. Dou-o.

Percebo, então, que também o meu coração procura um inquilino mas que tardo em tornar o anúncio público. Sei que não será fácil arrendá-lo. Talvez porque a minha porta só se abre para os inquilinos que procuram outras assoalhadas, ou então porque me recuso a abri-la a quem sei que quer entrar. Será porque a remodelação do espaço ainda se encontra em curso, ou porque receio que um estranho me invada?

Desconfio, porém, que «casa nova» possa ser sinónimo de «vida nova» e perante isso, anuncio publicamente que me (ar)rendo.

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