Thursday, June 08, 2006

Carta extraviada

Pediste-me que te escrevesse, que te dissesse alguma coisa esta semana. Quando fechei a porta de casa e dissémos adeus, ambos sabíamos que isso não iria acontecer e que tão cedo não nos voltariamos a ver. Fomos sempre assim e quanto a isso nada sabemos fazer. Nunca fomos um do outro, ainda que não consigamos ignorar o desejo que compele os nossos corpos. Ambos sabemos que acabamos por nos cruzar algures e por isso deixamos que o tempo se encarregue de marcar o nosso próximo encontro.

Depois de teres saído, voltei para a cama e deitei-me no espaço que deixaras vago. Não consegui dormir com o teu cheiro. Passei o resto da noite assolada por pensamentos que me transportavam para a roupa espalhada no chão. Sonhei com os nossos corpos colados e desejei que ainda ali estivesses. Lutei toda a noite para que me esquecesse dela e acabei por adormecer.

Acordei de manhã com uma sensação estranha e auto-programei-me para cuidar de mim. Quando me dirigi ao roupeiro para tirar uma toalha, encontrei as minhas mãos marcadas no espelho. Vi o teu reflexo e por isso apressei-me a limpar as marcas.

Passei a tarde estendida ao sol, a olhar para a neblina que se formara. Entreguei o meu corpo à vaga de ar quente que me engolia e deixei-a acariciar-me a pele, como se de um antídoto se tratasse. Ao longo de horas perguntei-me «que queria eu da vida?» e «para onde me estava a levar?». Mesmo perdida nas minhas respostas, senti-me tranquila e confiante. Conheço-me bem e sei que não somo as pessoas por quem nos iremos apaixonar.

Regressei a casa pensativa e enfiei-me debaixo de um duche frio. Enquanto enxugava o cabelo ao espelho, lembrei-me de uma frase que lera num livro, que dizia que o nosso rosto nunca mente por ser o único mapa que regista todos os territórios que habitámos. Compreendi que nada mudara e que estava de volta ao meu território.

Um dia destes cruzamo-nos.

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