Thursday, May 25, 2006

Diário de um «Dealer» Sentimental














As relações não passam de transacções entre as pessoas que, na maior parte das vezes, se revelam excelentes negociantes, pois na verdade disputam um negócio com ares de quem domina o assunto, nunca dando a entender desconhecerem-no por completo. Tudo parte da intuição, da imagem que criamos em torno daquilo que julgamos estar a ser alvo de negociação, mas no fundo não fazemos mais que utilizar estratégias, jogar com o mistério e criar expectativas no potencial comprador. É quase como se estivessemos perante a velha banha da cobra e, nos tempos que correm, até podiamos converter este jogo para o formato de televenda, onde o sonho se vende com pouco argumento e conteúdo, bastando para tal conseguirmos convencer o outro de que estamos perante a fórmula mágica.
Seja por defesa nossa ou por falta de capacidade para colocarmos as cartas em cima da mesa, deixamo-nos enredar na lábia do vendedor, construindo imagens que nos fazem acreditar estarmos perante aquilo que mais desejamos ter. O problema é quando a astúcia do «dealer» se vai esgotando, o negócio se vai complicando e tarda em concretizar-se. Começamos a questionar a nossa capacidade de persuasão e a pensar que mais nos faltará para sermos os fiéis proprietários do bem que cobiçamos. Suspeitamos da qualidade do produto, das reais intenções do vendedor e vamos esmorecendo o nosso entusiasmo pelo negócio. Há alturas em que nos esquecemos daquela «fantástica» oportunidade, mas há outros em que nos detemos curiosos por descobrir se não se trataria de uma falsificação e não descansamos enquanto não desvendamos esse mistério.
Há algum tempo que desconfio de um vendedor que tão depressa me prende a atenção como me fecha a porta da loja na cara.
De tanto olhar para a montra das oportunidades, hoje finalmente percebi o motivo pelo qual nunca passámos do marketing pessoal. Mas o que mais me chateia não é ter perdido o negócio, mas antes não entender por que raio insiste ele em negociar comigo sabendo que a sua transacção se rege pela claúsula que refere *para consumo exclusivo dos homens!

Tuesday, May 09, 2006

Como Ícaro



Sempre que falo contigo ganho coragem para me abeirar do precipício, abrir as asas e dar o salto sobre o mar.
Sei que o meu problema é olhar demasiado para baixo e desviar a atenção do horizonte, em vez de me concentrar na rota a seguir.
Nunca fui boa tripulante dos meus voos e tal como Ícaro, perco-me à procura do calor do Sol, mesmo sabendo que vou derreter o coração.
De tanta queda que dei, agora só me consigo focar na altura que me separa do chão e peco por não me deixar elevar demasiado.
Gostava de ser um planador para não me preocupar com as correntes de ar quente que me fazem oscilar quando pairo, mas falta-me a confiança nas asas e acabo por desistir da viagem.
Como uma ave migratória, tendo a voar para Sul sempre que sigo o meu instinto. Transporto-me para um passado de memórias e sensações quentes, para um refúgio a Sul que já não existe.
Baixo as asas e hiberno, esperando que o Verão acabe por voltar. Invisto todas as minhas energias a preparar-me para a estação que aí vem, mas quando chegam as primeras brisas de ar quente questiono-me quanto à minha habilidade para voar.
Na verdade, falta-me uma rampa de lançamento, um impulso que me projecte para o grande salto que tenho de dar.
Apercebo-me disso sempre que falo contigo.