Monday, December 27, 2004

Paris, Texas



Paris, Texas



Paris, Texas

Paris, Texas

Há 20 anos, Wim Wenders e Sam Shepard juntaram-se à volta de um deserto e cobriram-no de uma uma beleza sem limites.
Sobre este filme, disse-me uma amiga, certo dia, que era a escolha perfeita para ver com alguém de quem se gosta, sentado ao meu lado.
Foi o único homem que amei em toda a minha vida que mo mostrou, há mais de seis anos atrás.
Ontem, reencontrei-me naquele filme.
Deixei-me pairar sobre o Texas, sem o homem que amei, sozinha em casa, enrolada num cobertor.
Senti uma profunda tristeza, a emoção de quem se deslumbra com tamanha beleza que não cabe dentro de nós.
Reconheci-me, reconheci-o. Chorei o peso do meu coração.
Todos nós procuramos Paris, sem nunca sabermos se alguma vez a iremos encontrar no deserto das nossas vidas.

Ich habe dich vermisst, mine liebe...

Nailed Smile Joe

O homem do fraque coberto de purpurina e cartola a condizer, ambicionando uma carreira de comediante, lavava o sorriso todas as manhãs. E depois sim, partia no seu veículo de cómico largando purpurina pela cidade fora, em busca de audições. Uma vez deteve-se nos maxilares dos traseuntes. Verificou que não se mexiam. Comprou parafusos, encaixou o maxilar na imobilidade da alegria, aparafusou o sorriso. Doravante sempre sorridente. O homem é Nailed Smile Joe. O único humano cujo sorriso não desmobiliza. O Homem do Sorriso Dourado

(embora atarraxado de parafusos de platina, o que subestima o valor do sorriso)
vai ligar-se a uma tomada para ter um sorriso de 1000 vóltios. A platina conduz melhor que o ouro, mas Joe continuará a ser O Homem do Sorriso Dourado. A tentar deter um record extravagante, a iluminar carantonhas de uma assistência de ceramida: crianças-balão, agentes funerários de romances demasiado curtos, executivas prisioneiras de uma moda ortopédica

(chanel nº5)
velhos sem queratina nas unhas. O comediante enfrenta o risco de arrasar a comédia:
E se o sorriso entrar em curto-circuito?
Mas também a glória de entrar para o Guiness. Quem a quiser, pague com Visa Gold.
Danylo Americano (o meu escritor favorito)

Friday, December 03, 2004

O meu coração é como a brasa de uma fogueira.
Espera toda a noite por uma brisa forte,
por uma tenaz que a venha revirar,
por um pouco de ar que a faça arder mais umas horas,
antes que a noite a arrefeça e a abandone definitivamente.
O seu destino reduz-se a pó.

«Penso: Talvez o sofrimento seja lançado às multidões em punhados e talvez o grosso caia em cima de uns e pouco ou nada em cima de outros.»

José Luís Peixoto, in Nenhum Olhar

«A resposta adequada ao amor é aceitá-lo. Não há nada a fazer.»

Arcebispo Anthony Bloom

«Quando a poluição cobre o mundo, o mundo torna-se imundo...»

Criança de 8 anos, numa visita ao Centro de Arte Moderna (CAMJAP)

Miosótis

'Miosótis - f. Género de plantas borragíneas, cuja espécie principal, de flores miúdas e azuis, é o forget-me-not dos ingleses, que corresponde a não-me-esqueças. (Lat. myosota).'

Tenho corrido todas as floristas que se atravessam no meu caminho, parado em jardins, estufas e tudo o que possa parecer-se com um canteiro de flores... tento imaginá-las e descrevê-las aos jardineiros... «flores azuis há muitas, menina!».

Procuro-as e não as encontro... e eu, no fundo, só queria que não me esquecesses...

Sorria, está a ser amado!

Há um ano atrás, fui convidada por um amigo para ir à estreia do seu espectáculo Cabaret para 3 actores, em cena no Teatro da Trindade.
Esperava uma série de coisas, entre elas reconhecer alguns textos dele, sempre muito bem escritos e, sobretudo, deixá-lo levar-me às lágrima de tanto rir!
O objectivo cumpriu-se, mas não se ficou por aqui. A certa altura, no meio do espectáculo, um dos actores avança para junto dos espectadores e começa a falar de amor, à medida que distribui folhas de papel com mensagens escritas...
À laia de um desses avisos que abundam nas lojas supervisionadas por câmaras de filmar, onde se lê Sorria, está a ser filmado, no papel que ele me ofereceu lia-se: Sorria, está a ser amado!
Olhei à volta...
Estaria alguém a amar-me naquele momento sem que eu me apercebesse?

O Poeta Nu

'Levaram-no ao Serviço de Urgência.
Perdera a fala subitamente.
O médico que o assistiu veio a apurar que ligara as cordas vocais entre si para conseguir escapar da sua prisão interior.'

O Poeta Nu, Jorge de Sousa Braga

Chegou até mim por meio de um desconhecido.
Não me ofereceu flores. Não precisou...

Chama-se É proibido escrever nas margens e é do Jorge de Sousa Braga:

Decidi correr o risco
sujeitar-me à erosão das águas.
Eu sei.
Das minhas vértebras nascerão praias de areia fina.
Na margem da estrada
na margem do papel náufrago do quotidiano
à espera de uma boleia para nenhum lugar...
Quilómetro mil e cinquenta e três das minhas veias.
A eternidade fica mesmo em frente.

Dave Brubeck



Foram precisos 12 anos a gostar de jazz para ir até Dublin descobrir o Dave Brubeck. Parece inacreditável como andei todo este tempo alheia à existência do pianista de jazz mais famoso de sempre!! O 'Dave Brubeck Quartet', que durou cerca de 17 anos, interpretou uma das mais célebres e extraordinárias músicas da história do jazz ('Take Five'), a mesma que me adocicou os tímpanos e me arrebatou em Blackberry Market, Rathmines. Foi num fim de tarde, em Julho, ao passar o túnel de acesso ao mercado de velharias mais pitoresco de Dublin que entre móveis antigos, sucata e calendários da virgem Maria, o piano de Brubeck e o saxofone de Paul Desmond me murmuraram aos ouvidos. Deixei-me raptar em Rathmines por um quarteto. Sacudiu-me, encostou-me à parede, gritou-me estupefacto: «Como podes ter ignorado uma das maiores lendas vivas do jazz?»